A corrupção é crime contra a
administração pública. Está no Código Penal e pode levar à prisão. Os
escândalos nos mais altos escalões de governo escancaram a ilegalidade.
Há anos. No Brasil e no mundo. Mas e se levarmos o foco à esfera
privada, do cidadão comum, onde você se encaixa?
Neste 9 de dezembro, quando se celebra o Dia Internacional Contra a Corrupção, o Diário Popular
convida o leitor à reflexão e traz exemplos práticos do dia a dia em
que muitos indivíduos - não raro - procuram tirar vantagem ou encurtar
caminhos para se dar bem. Vai do simples ato de furar a fila para
garantir bom lugar em um show à tentativa de suborno de um policial para
evitar uma multa no trânsito. São casos que passam por valores éticos e
morais. Não dependem, necessariamente, de desvio de verba pública.
Em estudo comportamental, em 2010, o
Instituto Pesquisas de Opinião (IPO) foi às ruas ouvir a população sobre
três indicadores da cultura política e constatou: há uma grande
confusão na hora de discernir quando uma determinada situação seria um
favor recebido ou feito a alguém, quando caracterizaria o popular
"jeitinho" brasileiro - que já virou até livro - ou chegaria à
corrupção. E é, justamente, essa nebulosidade que encobre os três
conceitos que favorece a corrupção - explica a socióloga Elis Radmann.
Comércio
Se o consumidor, por exemplo, entende que a empresa lhe faria um mero favor ao conceder a nota fiscal e não a cobra, como direito que tem, cria-se espaço à prática corrupta. O empresário, por sua vez, sonegará impostos e, na ponta da corda, estará de novo o cidadão. Prejudicado.
Se o consumidor, por exemplo, entende que a empresa lhe faria um mero favor ao conceder a nota fiscal e não a cobra, como direito que tem, cria-se espaço à prática corrupta. O empresário, por sua vez, sonegará impostos e, na ponta da corda, estará de novo o cidadão. Prejudicado.
Com menor arrecadação, o governo - em
tese - teria menos condições de investir em políticas públicas. Daí a
afirmação de que a corrupção pode, sim, afetar o desenvolvimento de um
país. "Essa confusão em que fica o cidadão sobre o que é certo e o que é
errado dá ao político um salvo-conduto (trânsito livre) para ter
atitudes questionáveis ou ilegais", explica a mestre em Ciência
Política.
E faz a ressalva: quanto mais distantes
as leis estiverem da própria realidade, mais favorecido estará o campo à
corrupção. A obrigatoriedade do uso do cinto de segurança ajuda a
visualizar a teoria: como o passageiro tem conhecimento de que o
acessório pode ser a diferença entre a vida e a morte, tenderá a ter uma
conduta reta quando multado por não respeitar a legislação. O mesmo
comportamento poderia não se aplicar na mesma proporção se o pano de
fundo for o uso de celular ao volante. "Como grande parte dos motoristas
acredita ter o direito de atender o telefone, tentará convencer o
agente de trânsito de várias formas".
Livro de bolso
Uma sugestão de leitura para o cidadão comum é a obra O que faz o brasil, Brasil?, de autoria de Roberto DaMatta, professor de Antropologia da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos e ex-professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Uma sugestão de leitura para o cidadão comum é a obra O que faz o brasil, Brasil?, de autoria de Roberto DaMatta, professor de Antropologia da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos e ex-professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Saiba mais
Roberto DaMatta desenvolveu indicadores utilizados por institutos de pesquisa em todo o país - exatamente como fez o IPO - quando querem mensurar o comportamento do cidadão. Conheça os indicadores e algumas das perguntas que costumam compor a análise:
- Uma pessoa tem bolsa de estudo e um emprego ao mesmo tempo. Isso é proibido, mas ela consegue esconder do governo
- Uma mãe que conhece um funcionário da escola passa na frente da fila quando vai matricular o filho
- Uma pessoa paga um funcionário da companhia de energia elétrica para fazer o relógio marcar um consumo menor
- Uma pessoa pede a um amigo que trabalha no serviço público para ajudar a tirar um documento mais rápido do que o normal
Roberto DaMatta desenvolveu indicadores utilizados por institutos de pesquisa em todo o país - exatamente como fez o IPO - quando querem mensurar o comportamento do cidadão. Conheça os indicadores e algumas das perguntas que costumam compor a análise:
- Uma pessoa tem bolsa de estudo e um emprego ao mesmo tempo. Isso é proibido, mas ela consegue esconder do governo
- Uma mãe que conhece um funcionário da escola passa na frente da fila quando vai matricular o filho
- Uma pessoa paga um funcionário da companhia de energia elétrica para fazer o relógio marcar um consumo menor
- Uma pessoa pede a um amigo que trabalha no serviço público para ajudar a tirar um documento mais rápido do que o normal
(?) Diante dessas
situações de "ajuda", você considera que essa situação é: (1) favor, (2)
mais favor do que jeitinho, (3) mais jeitinho do que favor, (4)
jeitinho, (5) mais jeitinho do que corrupção, (6) mais corrupção do que
jeitinho e (7) corrupção.
(*) Em geral, explica a
socióloga Elis Radmann, os entrevistados têm dificuldade em interpretar
ou admitir a sua conduta como indevida. "Sempre existem argumentos para
tirarem a vantagem naquele momento específico".
Sem início e sem fim
Diante de esquemas organizados de troca de favorecimentos entre Executivo e Legislativo, Brasil afora, vez por outra surge a indagação em rodas de bate-papo: quando começou a corrupção? Quais partidos estão à frente dos principais esquemas? Nesse contexto em busca das origens, o professor do Instituto de Sociologia e Política (ISP) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Álvaro Barreto, destaca: a corrupção sempre esteve presente nas relações sociais e políticas, públicas e privadas, em todos os tempos. "O que não significa que não devemos estar preocupados. O combate à corrupção é um desafio permanente, mas acreditar na sua ausência é utopia".
Diante de esquemas organizados de troca de favorecimentos entre Executivo e Legislativo, Brasil afora, vez por outra surge a indagação em rodas de bate-papo: quando começou a corrupção? Quais partidos estão à frente dos principais esquemas? Nesse contexto em busca das origens, o professor do Instituto de Sociologia e Política (ISP) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Álvaro Barreto, destaca: a corrupção sempre esteve presente nas relações sociais e políticas, públicas e privadas, em todos os tempos. "O que não significa que não devemos estar preocupados. O combate à corrupção é um desafio permanente, mas acreditar na sua ausência é utopia".
É um cenário que reforça o papel de
investigação do Ministério Público (MP) e de identificação e punição dos
casos. "O medo de ser punido tende a ser mais eficiente para evitar
novos casos do que se esperarmos o valor moral ser incorporado". A
própria sociedade já tem se mostrado menos tolerante com os escândalos
de beneficiamento próprio, o que favoreceu a aprovação da Lei da Ficha
Limpa e o julgamento do Mensalão - pontua o professor.
Dano certo
O ato de furar a fila é prosaico. E, no ímpeto da vantagem pessoal rápida, o cidadão não costuma enxergar mal em deixar para trás quem chegou ao local com antecedência. No universo público em que nada é de ninguém e, ao mesmo tempo, é de todos, os danos são maiores, pois a estrutura do Estado é atingida. E é preciso ter em mente: se nessas situações o corrupto está no meio público, em geral, o corruptor está inserido na sociedade, na iniciativa privada. E é preciso olhar e punir ambos os agentes.
O ato de furar a fila é prosaico. E, no ímpeto da vantagem pessoal rápida, o cidadão não costuma enxergar mal em deixar para trás quem chegou ao local com antecedência. No universo público em que nada é de ninguém e, ao mesmo tempo, é de todos, os danos são maiores, pois a estrutura do Estado é atingida. E é preciso ter em mente: se nessas situações o corrupto está no meio público, em geral, o corruptor está inserido na sociedade, na iniciativa privada. E é preciso olhar e punir ambos os agentes.
A importância do exemplo
O presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pelotas, Marco Aurélio Fernandes, admite: é otimista quando o assunto é o combate à corrupção. O professor da Faculdade de Direito da UFPel aposta no comportamento das novas gerações aliado ao cumprimento firme da lei. "Com os bons exemplos dos pais, dos educadores e dos grupos sociais, desde a infância, associados ao caráter pedagógico da repressão a quem infringe a lei, conseguiremos inibir novos casos".
O presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pelotas, Marco Aurélio Fernandes, admite: é otimista quando o assunto é o combate à corrupção. O professor da Faculdade de Direito da UFPel aposta no comportamento das novas gerações aliado ao cumprimento firme da lei. "Com os bons exemplos dos pais, dos educadores e dos grupos sociais, desde a infância, associados ao caráter pedagógico da repressão a quem infringe a lei, conseguiremos inibir novos casos".
O risco - pondera - é a banalização de
atitudes, como não devolver o troco recebido errado, o que poderá
provocar um afrouxamento dos padrões de certo e errado e, na sequência,
levar o cidadão a relevar outras condutas que lhe garantam vantagens.
"Corre-se o risco de cair no campo da subjetividade, quando na verdade
para ética não tem meio-termo", enfatiza.
E como professor da disciplina de
Processo Civil, ele sugere: para devida imparcialidade, magistrados não
deveriam aceitar que grandes corporações - que, não raro, serão parte
nas causas a serem julgadas - patrocinem seus eventos. Médicos também
deveriam evitar a ligação direta, de troca de favores, com laboratórios
farmacêuticos.
Em busca de ações preventivas
O titular da Promotoria de Improbidade Administrativa, Jaime Chatkin, vai direto ao ponto ao conversar com o Diário Popular: é preciso reforçar a atuação preventiva e integrada com outros órgãos, como o Tribunal de Contas, para garantir o devido ajuizamento de ações e a punição de corruptos e corruptores. Licitações e concursos públicos que envolvem cifras mais elevadas deveriam contar com fiscalização prévia - defende o promotor.
O titular da Promotoria de Improbidade Administrativa, Jaime Chatkin, vai direto ao ponto ao conversar com o Diário Popular: é preciso reforçar a atuação preventiva e integrada com outros órgãos, como o Tribunal de Contas, para garantir o devido ajuizamento de ações e a punição de corruptos e corruptores. Licitações e concursos públicos que envolvem cifras mais elevadas deveriam contar com fiscalização prévia - defende o promotor.
Apesar de o MP capitanear grande parte
das investigações de desvio de recurso público, no Brasil, o trabalho na
maioria das vezes é desenvolvido pós-corrupção. "Em geral, a Promotoria
atua em cima de fatos pretéritos. Uma tarefa difícil e isolada, que
depende da reunião de provas até que o caso chegue ao Judiciário e os
envolvidos sejam condenados". Um caminho longo e nem sempre certo de
devolução do dinheiro aos cofres públicos. Daí a necessidade de atuar
preventivamente e fechar o cerco.
"O ideal é que tivéssemos auditores como
o Tribunal de Contas, e que também agíssemos em conjunto com órgãos
como a Polícia Civil. O sistema, com trabalhos isolados, é ineficaz". E
cobrar condenações com base apenas em indícios é complicado, em um jogo
de interesses em que nenhuma das partes suspeitas tem interesse em
dedurar a outra.
Chatkin também foi enfático em lembrar:
se na administração pública há um funcionário ou um detentor de cargo
eletivo corrupto, do lado de fora, na esfera particular, existe um
corruptor; uma empresa com caixa dois ou emissora de notas fiscais
falsas, um cidadão em busca de cargo, emprego ou contrato. A qualquer
preço.
A corrupção em atos do cotidiano
- Não dar nota fiscal
- Não declarar Imposto de Renda
- Tentar subornar o agente de trânsito para evitar multas
- Recorrer a um político para burlar a seleção de financiamento habitacional
- Falsificar carteirinha de estudante
- Dar/aceitar troco errado
- Furtar sinal de TV a cabo
- Furar a fila
- Comprar produtos falsificados
- No trabalho, bater ponto pelo colega
- Não dar nota fiscal
- Não declarar Imposto de Renda
- Tentar subornar o agente de trânsito para evitar multas
- Recorrer a um político para burlar a seleção de financiamento habitacional
- Falsificar carteirinha de estudante
- Dar/aceitar troco errado
- Furtar sinal de TV a cabo
- Furar a fila
- Comprar produtos falsificados
- No trabalho, bater ponto pelo colega
O que diz o Código Penal
Corrupção passiva
Artigo 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de dois a 12 anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Corrupção passiva
Artigo 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de dois a 12 anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
A origem da data
O 9 de dezembro marca a data da assinatura da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, ocorrida na cidade mexicana de Mérida, em 2003.
O 9 de dezembro marca a data da assinatura da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, ocorrida na cidade mexicana de Mérida, em 2003.
( Por: Michele Ferreira - DP)
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