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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

ARROIO PELOTAS - Especial Diário Popular

ARROIO PELOTAS: UM LOCAL DE MUITAS HISTÓRIAS
 Em três capítulos, a série de reportagens traz diferentes olhares sobre um mesmo cenário, de 99 quilômetros de extensão.
As águas do arroio Pelotas são fonte de abastecimento a cerca de 150 mil moradores de Pelotas e de Canguçu
(fotos:Paulo Rossi - DP)
"Essa nascente que Deus botou aqui é tudo para nós." As palavras, simples, ganham densidade ao iluminarem o rosto, suado, do agricultor Nadir Schwartz, 47, morador do 1º distrito de Canguçu. É ali naquelas terras de 23 hectares - em Canguçu Velho, a 550 metros acima do nível do mar - que brotam algumas das nascentes do arroio Pelotas. E foi também ali, à beira da Serra dos Tapes, em meio à mata nativa, que o recanto passou a compor a história. Há uma década. O manancial, que "ganha corpo" ao contar com afluentes dos municípios de Morro Redondo e Arroio do Padre até desaguar no canal São Gonçalo, em Pelotas, era declarado Patrimônio Cultural do Estado, através da lei 11.895/2003, de autoria do então deputado Bernardo de Souza (PPS).

E é por essas águas mansas que o Diário Popular convida o leitor a navegar até terça-feira (5). Em três capítulos, a série Patrimônio gaúcho traz diferentes olhares sobre um mesmo cenário, de 99 quilômetros de extensão.
Da biodiversidade à ameaça sofrida por mais de 80 espécies que compõem o Livro vermelho da fauna ameaçada de extinção no Rio Grande do Sul, nas categorias Criticamente em Perigo e Em Perigo. Da fonte de abastecimento a cerca de 150 mil moradores de Pelotas e de Canguçu às áreas de lazer em que o arroio se transformou no campo e na cidade. Da viagem aos séculos 18 e 19 e a produção do charque que o tingia de vermelho a cada safra - com a matança de animais de novembro a abril - à necessidade de ações mais enérgicas de preservação deste bem que, ano após ano, tem parte da vegetação ciliar engolida tanto por residências luxuosas quanto por atividades econômicas, como a pecuária e a agricultura. São reflexões em que o DP convida você a mergulhar a partir desta edição conjunta, 2 e 3 de fevereiro.

Área privada virou ponto de estudo em Canguçu
A placa encravada nas pedras, até os dias de hoje, remonta à cerimônia de 11 de abril de 2003, quando a propriedade do casal Nadir e Ivone Schwartz tornou-se palco a autoridades estaduais. De repente, do anonimato, os dois se viram em matérias de jornais e com um compromisso a cumprir: preservar a integridade das nascentes do arroio Pelotas. Ou seja: manter intocada também a vegetação das margens.
De lá para cá, a família de Canguçu Velho tem levado a recomendação a sério. "Sabemos que nem as beiradas do mato podemos roçar. Senão, levamos multa", resume Ivone, 44, que se preocupa em repassar a mensagem aos três filhos: Márcio, 22, Marcelo, 16, e a pequena Marina, de apenas quatro anos. E hoje, além de não desmatar, os agricultores cultivaram uma pequena plantação de milho, como barreira entre a mata nativa e a extensa lavoura de fumo, com 65 mil pés; única cultura que lhes garante o sustento. A batata, o feijão, o tomate (sem uso de agrotóxicos) e o leite são produzidos apenas para consumo doméstico.
E foi ali mesmo, junto aos pés de fumo, com chapéu de palha na cabeça, que o casal recebeu o Diário Popular no final da manhã da quarta, 23 de janeiro, ao interromper a lida para relembrar fatos que tanto os orgulham. Seguidamente, grupos de estudantes vão até o local e, se algum deles quiser conhecer a nascente situada em ponto mais distante, deve se preparar: o caminho é íngreme. "Algumas crianças já tiveram aqui até plantando mudas nativas", contam. Uma atividade relembrada também pela secretária de Planejamento, Meio Ambiente e Urbanismo, Aline Nunes: "Queremos sensibilizar a comunidade para a importância da qualidade dos recursos hídricos e mostrar o papel decisivo da população neste processo".

Os benefícios que ficaram apenas na legislação
Ao ser declarado patrimônio, em 28 de março de 2003, o arroio Pelotas passava a estar protegido, em tese, de agressões que colocassem em risco o ecossistema ou as marcas históricas. Não foi o que se viu. As vantagens com incentivos fiscais concedidos através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura (LIC) a projetos de conservação do curso d'água ou à restauração de prédios de antigas charqueadas não foram aproveitadas. A obtenção de recursos com instituições de fomento a pesquisas científicas também não ocorreu. Na prática, a lei ficou restrita ao papel.
Em junho de 2003, ao participar do seminário Arroio Pelotas patrimônio cultural do Estado, o líder da bancada do PPS na Assembleia Legislativa resumiu: "Como deputado já fiz o que estava ao meu alcance. Agora depende dos governos e da comunidade". No texto de duas páginas, publicado no livro Arroio Pelotas: Diário de um patrimônio, em outubro de 2003, Bernardo afirmara: "... Posso dizer que este é um caso raro - senão o único - de um curso d'água ser declarado integrante do patrimônio cultural. E, sem nenhuma 'patriotada' posso dizer que ele bem merece essa condição". Sobram razões ambientais e histórico-culturais - lembrava. Um alerta que o popular-socialista, ex-prefeito de Pelotas, preocupou-se em disseminar sete anos antes de sua morte, em junho de 2010.

Recantos resguardados
Pelotas, 8º distrito, Colônia Maciel. Templo das Águas. Águas do arroio Pelotas. A cada ano, a propriedade de sete hectares se consolida como espaço para quem busca o contato com a natureza e a paz interior. Sentimentos que o cantor e compositor Marco Gottinari, 48, tem transportado às letras das músicas que integram os dois trabalhos da carreira, Interior e Tudo uma canção. Ao bater um papo com o DP, ao pé da cachoeira, ele não esconde a preocupação com o que chama de turismo avassalador, que mancha a correnteza com garrafas PETs intermináveis e reduz a vegetação ciliar à lenha para churrascos.
"São coisas muito tristes que acontecem e não são o colono que faz", sustenta, com a experiência de quem já garantiu o plantio de aproximadamente 30 mil mudas de árvores através do projeto que casa a venda de discos com a recuperação da mata nativa. E ao refazer as rotas por onde as cultivou, não raro, se depara com o desmatamento que, se por um lado o desanima, por outro o encoraja. "Tenho esperança de estar contribuindo para que a catástrofe não se alastre."
Do lado de dentro da propriedade, então, acompanhado do violão, Gottinari se reabastece. "Venho aqui escutar o canto do rio. É o meu encontro com a música", resume. E para os visitantes do Templo das Águas, um recado importante: ali, naquelas terras abençoadas pela natureza, não é permitido ingerir bebidas alcoólicas. E há explicações para isso. Se para fazer turismo, homens e mulheres, jovens e adultos, tiverem de carregar seus vícios, estarão desperdiçando uma grande oportunidade - defendem Marco e a mulher Marta, 43. "Desperdiçando uma energia que poderia servir para o ano todo e, junto com os vícios, não vai atingir teu ser", sustenta, como que a repassar uma lição aos filhos Demian, 22, e Saarah, 19.
E, ao se despedir do DP, acrescenta uma última mensagem: "Deixem viver o rio. E viveremos, todos, por um bom tempo". (...)

Você sabia?
-
Desde 1910 a Estação de Tratamento de Água (ETA) Sinnott faz captações do arroio Pelotas;
- A produção diária da ETA Sinnott é de 37 milhões de litros por dia e, dessa quantidade, a grande maioria vem do Pelotas;
- Esses 37 milhões de litros de água são suficientes para abastecer em torno de 40% da população de Pelotas;
- Embora as redes de abastecimento da cidade sejam interligadas, a água da ETA Sinnott é hoje levada a zonas, como Pestano, Arco-Íris, Sanga Funda, Vila Princesa, Bom Jesus, Dunas, parte do Areal, todos os balneários e parte do Monte Bonito na zona rural - informa Vinícius Gonçalves, do Sanep;
- A água do arroio Pelotas também abastece a área urbana de Canguçu. Vai para oito mil residências, o equivalente a 19.696 habitantes;
- Na zona rural não existe abastecimento público. Apenas através de recursos, como cacimbas, poços artesianos e arroios. São informações do diretor do Núcleo Municipal de Meio Ambiente, Tomaz Raffo.

RIQUEZAS ESCONDIDAS NO ARROIO PELOTAS

No segundo capítulo da série, o Diário Popular traz belezas e riscos do arroio Pelotas; em diferentes posicionamentos, estudiosos falam na importância de se pensar a bacia hidrográfica como um todo.

O arroio Pelotas oferece um cenário perfeito à contemplação de belezas naturais
(fotos: Paulo Rossi - DP)
Navegar pelo arroio Pelotas é como aceitar um convite a apreciar parte das belezas da biodiversidade da região. Se considerarmos a área de 910 quilômetros quadrados da bacia hidrográfica do arroio - que abrange os municípios de Canguçu, Morro Redondo, Arroio do Padre e Pelotas - são mais de 320 espécies de animais identificadas, afora os insetos. Pelo menos 34 integram o Livro vermelho da fauna ameaçada de extinção no Rio Grande do Sul, na categoria Criticamente em Perigo.

É o chamamento que o Diário Popular lhe faz nesta segunda-feira (4), no segundo capítulo da série Patrimônio gaúcho. Vista, então, o colete salva-vidas, coloque um boné e passe protetor solar. A embarcação Filhote do Mar vai partir do canal São Gonçalo, na zona da Balsa. Destino: arroio Pelotas, até o ponto em que o barco não tenha mais calado para seguir viagem.

É segunda, 21 de janeiro, 7h49min. O professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Marcelo Dutra da Silva, acompanha o DP e aponta as principais pressões impostas sobre as margens ao longo dos anos. Um retrato que não deve ficar restrito ao arroio Pelotas. "Precisamos pensar na bacia hidrográfica como um todo. O Pelotas está inserido em um contexto e quanto maior a pressão sobre os espaços naturais, maiores os prejuízos sobre a flora e a fauna", ressalta o ecólogo e busca sustentação em números.

A área natural remanescente, contínua e íntegra, totaliza pouco mais de 15%. Os outros 85% da paisagem já sofreram algum tipo de alteração, principalmente em função de dois tipos de uso: a agricultura cíclica, como o plantio de arroz, e a agropecuária em pequenas propriedades de criação e de cultivo - basicamente - de milho, fumo, feijão e pomares de pêssego e laranja. Em alguns trechos, as atividades - associadas ao crescimento urbano - simplesmente engoliram a cobertura ciliar.

As margens, Área de Preservação Permanente (APP) - protegida por lei -, foram degradadas e, além de esconderem um possível crime ambiental, irão influenciar diretamente na biodiversidade. Sem o chamado corredor ecológico, o fluxo das espécies ficará prejudicado e, na sequência, os animais poderão buscar outros habitats. Em casos extremos, poderão desaparecer.

Um outro Pelotas, longe dos olhos
Ao percorrer o arroio, da foz em direção à nascente, uma surpresa. Um outro Pelotas se revela, bem diferente daquele que a população está acostumada a ver ao cruzar a ponte em direção às praias do Laranjal. À medida que o barco avança, cresce o som dos pássaros, que começam a se mostrar. Aos poucos. Ora apresentavam-se sozinhos, em revoadas que coloriam o céu azul daquela segunda de 26ºC. Ora exibiam-se em bando, em um bailado de entortar o pescoço de quem faz questão de acompanhar o trajeto. Encantamento.

Uma pequena árvore brota de um toco em meio às águas. As tartarugas descansam em um galho, em área rasa. A cobertura ciliar também muda e quanto mais se navega rumo à parte alta do arroio, mais afunilado o caminho. A ponte da Galateia, abandonada há anos, serve de divisor à paisagem, com vegetação cada vez mais fechada. Andamos em ritmo lento. São 10h25min, 22 quilômetros percorridos até então. A sequência de jerivás, que por vezes se debruçam sobre as águas, chega como boa notícia - explica o professor Marcelo Dutra da Silva. "Vários jerivás juntos são indicadores de que a preservação existe naquele local. As aves que o dispersam estão aqui e o restante da estrutura do sistema também."

Uma visão técnica, atenta, ainda aponta os riscos a que o arroio está submetido. O gado tem acesso às margens. A lavoura substitui parte da vegetação ciliar e acaba com o ambiente de interior (leia mais nesta página). Os canais demonstram a ligação com plantações, que tanto se abastecem do Pelotas quanto, possivelmente, liberam resíduos a ele.

"O arroio Pelotas sofre dos mesmos males dos outros da região e ilustra bem o que ocorre nos demais", reitera. O professor permanente do Programa de Pós-graduação em Gerenciamento Costeiro do Instituto de Oceanografia da Furg também defende a importância de se criar um Comitê da Bacia, que possa reunir diferentes especialistas e órgãos para debater sobre os usos, os conflitos e os recursos para preservá-la.

Entenda melhor
- Cuidados com a APP: não basta a beira da mata ciliar estar intacta. Para garantir a manutenção da biodiversidade, o ambiente de interior também precisa estar conservado. As espécies que habitam o local são mais sensíveis às mudanças e preferem espaços com menos luz e mais úmidos. Daí, se a vegetação é derrubada e resta apenas uma borda, estreita, permanecem ali apenas as mais resistentes.

Quando são abertos clarões nas margens, pior ainda. Com o tempo, sem a conexão que permita aos animais estabelecerem um fluxo de deslocamento, protegido dos predadores, eles correm o risco de desaparecimento daquele habitat - alerta Marcelo Dutra da Silva;

- Sub-bosque ameaçado: a livre circulação do gado em direção às margens também pode ser prejudicial à vegetação. Os animais comprometem o desenvolvimento do sub-bosque, seja por pisoteá-lo ou por ingeri-lo. E, dessa forma, impedem o crescimento ou a sobrevivência de espécies menores e novas, que aguardam a oportunidade - natural - para se desenvolver, depois da morte ou da queda de outros exemplares;

- Extração de areia: o licenciamento fica a cargo da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). A atividade se beneficia de uma prática irregular do uso da bacia, que acaba por levar excesso de areia às águas - destaca o professor.

O que eles disseram
SQA: a equipe da Secretaria de Qualidade Ambiental elabora um Plano de Ação para impedir novos danos e exigir compensações aos causadores. "Somente com a colaboração de todos poderemos conhecer um número razoável de mutilações ambientais e tomar as providências legais cabíveis", afirma o secretário Neiff Satte Alam. "Não há outra forma de evitar novos casos. Será fiscalizando e multando", diz e inclui empreendimentos e residências nas medidas de controle.

Ao percorrer o arroio, sob o comando de José Francisco Pontes, 70, o Leão, não raro, se vê contenções de madeira, pneus, sacos e pedras no local onde, um dia, por certo, a vegetação cumpria seu papel. Hoje, em algumas situações, apesar de estarem abrigados em casas belíssimas, os moradores também vivem em áreas de risco.

Promotoria: o Ministério Público também deve desencadear um Plano de Fiscalização, com previsão para o mês de março - adianta o promotor Jaime Chatkin. "Existem casos consolidados há muitos anos, por isso, cada caso é um, mas a Área de Preservação Permanente é intocável", sustenta. E acrescenta: a prefeitura é a fiscal número um. "Ela tem poder de polícia. Pode autuar administrativamente, aplicar multas e estabelecer compensações ambientais." Os quadros extremos podem parar na Justiça, seja através de ações cíveis de reparação, seja em processos criminais.

Você sabia?
- Só de aves, são mais de 180 espécies identificadas na bacia do arroio Pelotas. Pelo menos 30 estão no Livro vermelho da fauna ameaçada de extinção no Rio Grande do Sul, na categoria Criticamente em Perigo;

- Entre os usos e as ocupações da terra da bacia, a agropecuária representa a área mais extensa: 67,9%;

- Além de abrigo e alimentação à fauna, a vegetação também serve como elemento de proteção contra erosão e na conservação da água pelo controle da erosão;

- A Área de Preservação Permanente (APP) junto ao arroio Pelotas é de cem metros das margens, conforme estabelece a lei federal.

Ferramenta científica para auxiliar nas políticas públicas.
Desde janeiro de 2011, professores e alunos do curso de Engenharia Hídrica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) centraram o alvo na bacia do arroio Pelotas e tiraram do papel uma rede de monitoramento que, em breve, contará com seis estações de coleta de dados.

As duas primeiras já estão em funcionamento. A Hidrossedimentológica, instalada nas proximidades da ponte Cordeiro de Farias (no 5º distrito), foi a primeira a entrar em operação e a cada intervalo, definido em cinco minutos, gera novas informações de chuva, de nível e vazão do rio e dos sedimentos transportados. Uma série relevante da dados. As coletas da Agência Nacional de Águas (ANA) Brasil afora, por exemplo, costumam ser realizadas duas vezes por dia - explica o professor Samuel Beskow, doutor em Hidrologia.

A estação Meteorológica, inaugurada em março de 2012 próximo a nascentes no interior de Canguçu, contribui com informações de chuva, temperatura, umidade relativa, velocidade e direção dos ventos, radiação solar e raios ultravioleta. Tudo no mesmo parâmetro, com medições a cada cinco minutos. Ao todo, serão mais quatro estações; uma meteorológica e três hidrossedimentológicas, instaladas em pontos estrategicamente escolhidos - como no arroio Cadeia; um dos principais contribuintes do Pelotas - para elevar o nível de detalhamento sobre a bacia.

O trabalho também se estende à verificação da qualidade da água, com coletas feitas por varredura, ao navegarem pela região, ou com o uso das sondas fundeadas. Até o momento seria prematuro abrir os relatórios, mas a professora Idel Milani afirma: os resultados do material recolhido nas proximidades da desembocadura do Pelotas, junto ao canal São Gonçalo, revelam uma carga microbiológica alarmante - possivelmente associada a esgoto doméstico.

A mesma cautela é aplicada aos resultados obtidos nas análises de resíduos contidos no solo. "Ainda é cedo para falar nos constituintes químicos que prevalecem na bacia", explica o professor Luís Eduardo Suzuki, doutor em Engenharia Florestal. "O fundamental é as pessoas perceberem que elas serão os atores principais desse processo de transformação", acrescenta Suzuki.

Ao futuro
Os seis professores do curso de Engenharia Hídrica, criado há quatro anos, também envolvem-se em outro projeto, diretamente relacionado à Rede de Monitoramento. São os modelos de simulação hidrológica que, a partir do diagnóstico constatado na bacia e nos tipos de atividades implementadas pelo homem, permitirão traçar previsões. Com os dados jogados em um sistema será possível, por exemplo, prever o que ocorreria a partir do desmatamento de uma determinada área. Qual impacto terá sobre os arroios? Qual o risco de cheias? "São ferramentas de gestão, que ajudam a pensar que uso a região pode ter no futuro", destaca a doutora em Oceanografia Física, Química e Geológica.



As águas que unem passado e futuro

No terceiro e último capítulo da série, o Diário Popular mostra os recursos e ações previstos para o arroio Pelotas


Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013 Diferentes ações estão previstas ao Pelotas ao longo de 2013
(fotos:Paulo Rossi - DP)
 
Final do século 18. O português José Pinto Martins, retirante da seca do Ceará, transfere-se ao Rio Grande do Sul e, em 1779, instala sua charqueada às margens do arroio Pelotas. É a primeira indústria do setor, fundada na então vila do Rio Grande. Selava-se ali o destino do lugar onde acabou nascendo o município de Pelotas.
Ao palestrar em seminário, em junho de 2003 - três meses depois de o arroio tornar-se Patrimônio Cultural do Estado -, o historiador Mario Osorio Magalhães resumia: "Se a ligação arroio Pelotas, São Gonçalo, Lagoa dos Patos e Porto de Rio Grande não fosse possível, com certeza Pinto Martins teria ido instalar-se em outro local e Pelotas, como a conhecemos hoje, possivelmente nunca tivesse existido”. Dez anos depois, é uma das reflexões que o Diário Popular o convida a fazer neste terceiro e último capítulo da série Patrimônio gaúcho. 

Ao conceder entrevista ao DP, na segunda-feira, 28 de janeiro, a vice-prefeita Paula Mascarenhas (PPS) falou não apenas como chefe do Executivo em exercício. A popular-socialista recorreu ao passado e se pronunciou como assessora do então deputado Bernardo de Souza (PPS), autor da lei que deu o título ao arroio. Em uma conversa de aproximadamente uma hora, ela garantiu que o governo deve desenvolver diferentes ações voltadas ao Pelotas ao longo de 2013, como um concurso para confecção de antigas pelotas (embarcações) com uso de material reciclável, visitas às charqueadas que hoje vivem do turismo - em parceria com os proprietários, claro - e a realização de outro seminário, que coloque a bacia hidrográfica em debate. Um encontro que reúna leigos e cientistas. Cidadãos que enxergam o arroio por diferentes olhares: cultural, histórico, turístico, ambiental e social.
"Queremos criar meios para viabilizar e estimular o acesso ao Pelotas", sintetiza Paula. A instalação de quatro parques públicos deve ser o caminho. O primeiro a sair do papel será o Parque do Bicentenário, como estava batizado quando foi elaborado pela administração anterior. É o que está programado. O local, à esquerda da ponte em direção às praias do Laranjal, deve contar com mirante para observação da fauna, além de um pequeno museu que apresente informações básicas da importância do arroio Pelotas à região. O espaço terá longas passarelas erguidas a três metros de altura para causarem o menor impacto possível à vegetação. "Para evitar depredações, o local funcionará com horário definido e sob agendamento para escolas", adianta o assessor do projeto Cidade Bem Cuidada, Paulo Morales.
O orçamento ainda não está definido, mas em breve devem começar os contatos em busca de emendas parlamentares e de recursos federais. "Sabemos que para bons projetos existe verba", afirma a vice-prefeita, confiante.

Menina dos olhos
Dos outros três locais previstos para se transformar em área pública, um, em especial, motiva o governo. Se o plano se concretizar, a população ganhará um parque de 71 hectares, mais do que o dobro da Redenção, em Porto Alegre, com 37 hectares. Campo de esportes, playground e palco para shows estariam entre as atrações, além, claro, do acesso ao arroio Pelotas. "Temos muito interesse em garantir esse acesso. Se não fizermos isso, o Pelotas será 'privatizado' ao longo do tempo", destaca Paula.
Em breve devem iniciar as negociações com o proprietário das terras, que ficam em Área de Especial Interesse Ambiental, dita o Plano Diretor. O governo também deverá tornar o local uma Unidade de Conservação Permanente, mesmo antes de as duas partes baterem o martelo para venda. São espaços e medidas que, acima de tudo, irão compensar os prejuízos ambientais causados nas últimas décadas.
Ações que já poderiam estar ocorrendo. "A lei que tornou o arroio patrimônio foi muito pouco explorada", diz, interessada em reverter o quadro.

As charqueadas
O empresário Marcelo Mazza Terra, da Charqueada São João, tem visto crescer o fluxo de embarcações no Pelotas. E o que poderia ser positivo tem se tornado preocupação. Ele admite.Condutores de Jet-skis e de lanchas em alta velocidade simplesmente desconhecem a Legislação ou a desrespeitam. Sem qualquer timidez. "A Marinha tem intensificado a fiscalização e nós também temos procurado abordar essas pessoas. É fundamental não transformar este paraíso em problema ou em tragédia", afirma o ex-secretário de Turismo. É um alerta para que todos ganhem juntos: moradores, empreendedores e visitantes.

Descubra e divirta-se
Boa Vista - Um passeio pelo arroio Pelotas no barco Maria do Carmo, com capacidade para 20 pessoas, é o grande atrativo aos visitantes. Além de equipamentos de segurança como salva-vidas, ainda são oferecidos refrigerante e água como cortesia. Os interessados podem fazer até churrasco a bordo. O barco possui cozinha auxiliar e banheiro e, dada a estrutura, as rotas não são fechadas; o grupo pode escolher entre três alternativas. Almoço, café colonial e happy hour também podem ser programados. Informações no site.

São João - A charqueada construída entre 1807 e 1810 ganhou repercussão nacional depois de se transformar em locação à minissérie global A casa das sete mulheres. Até hoje, o local reserva os muros de pedra e as mantas de charque cenográficos em exposição ao público. Na visita guiada, riqueza de detalhes históricos, com objetos usados na matança do gado até as correntes que prendiam os escravos nas senzalas. Um passeio de barco pelo arroio Pelotas, o Rio de Sangue, também é oferecido. Informações: (53) 3228-2425 e no site.

Santa Rita - A antiga propriedade de Inácio Rodrigues Barcellos, construída em 1826 em estilo colonial, integrou o ciclo do charque em Pelotas, que chegou a contar com cerca de 40 indústrias. Hoje, a Santa Rita é sede do Museu do Charque e abre suas portas ao público para outros três serviços: hospedagem em seis suítes, visitação guiada, com cunho histórico, e aluguel de salão de festas para eventos. Informações: (53) 3228-2024 e e-mail.

Costa do Abolengo - A charqueada, também localizada às margens do arroio Pelotas, torna-se referência como locação para eventos em Pelotas. O salão, totalmente climatizado e adaptado ao acesso de cadeirantes, dispõe de capacidade para 300 pessoas sentadas. É um ambiente rústico-chique. Informações: (53) 8125-7686.

Para descobrir terras mágicas
É dia de navegar. O kit está pronto. O estudante de Agronomia, Alberto Blank Schwonke, de 27 anos, prepara-se a mais uma expedição. Mapa, GPS e estoques d´água e alimentação. Canivete, telefone celular e documentos devidamente guardados em uma caixinha plástica. Luvas, colete salva-vidas (com canivete reserva e apito) e cabos para situações de emergência. É hora de partir: o caiaque oceânico, com 5,30 metros de comprimento, está com toda a bagagem organizada em seus compartimentos, devidamente vedados. A máquina fotográfica, óbvio, não pode faltar.

A documentação, aliás, é um dos principais objetivos do jovem a cada novo passeio. Com a canoagem - depois das experiências em barco a vela e em kitesurf -ele pôde desbravar áreas que jamais chegaria em embarcações maiores. Só pelo arroio Pelotas, já foram duas longas jornadas, da foz (no canal São Gonçalo) às proximidades da ponte do Retiro, na BR-116, em um total de 37 quilômetros. Até o fim navegável do arroio. Em 2010, ele aventurou-se sozinho. Em 2012, ganhou a companhia da irmã Olívia, 31.

São vivências para não esquecer. "É como descobrir nossas terras mágicas", brinca. Silencioso, o caiaque não espanta os animais e, além de assegurar o acesso a pontos remotos, garante belas fotos ampliadas e expostas em álbuns. É um amor que alimenta toda a família. O pai Arilson Blank Schwonke, velejador e médico psicanalista, até hoje os convida a belas empreitadas e virou exemplo de vida - afirma Alberto que ainda pequeno, aos quatro anos, recebia as primeiras lições com o remo nas mãos. A mãe Ana Luiza também os acompanha, vez por outra. E acredite: até o cãozinho Bob arrisca-se às expedições.

"É um grande retiro espiritual", resume o acadêmico, que se prepara para defender o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em março. "Quando volto para casa, tô fisicamente exaurido, mas de alma renovada".
( Por: Michele Ferreira - DP)

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